• Dom Filipe - Abade do Mosteiro do Rio de Janeiro

    ALOCUÇÃO NO RITO DA TOMADA DE POSSE E ENTRONIZAÇÃO



    Um novo tempo

    Introdução

    - Saudamos com cordialidade e alegria ao Exmo e Revmo Dom Orani João Tempesta O Cist., Arcebispo da Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro; ao Revmo D. Emanuel d’Able do Amaral OSB, Arquiabade da Arquiabadia de São Sebastião –  Salvador-BA e Abade-Presidente da Congregação Beneditina do Brasil; ao Revmo D.João Evangelista Kovas OSB, novo Abade de Olinda; a Revda. Me. Martha Lúcia Ribeiro Teixeira OSB, Abadessa do Mosteiro de Nossa da Paz – Itapecerica da Serra-SP; a Revda Me. Escolástica Ottoni de Mattos OSB, Abadessa da Abadia de Santa Maria-SP; a Revda Me. Josefa, Superiora das Beneditinas Missionárias de Tutzing do Colégio Santo Amaro/Botafogo-RJ; aos Revdos Padres e aos irmãos de hábito, agora filhos; aos oblatos, professores, funcionários, a todos os presentes.
    - Com este Rito de Tomada de Posse e Entronização, assumimos nesta manhã o ofício abacial, como o 87º Abade desta Abadia de Nossa Senhora do Monserrate do Rio de Janeiro, nosso Mosteiro de São Bento. Ofício para o qual recebemos nomeação e constituição por Decreto da Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica, Decreto que acabamos de ouvir.
    - Temos consciência das exigências do ofício abacial, não apenas pelo exercício dos últimos seis anos em Olinda, mas, também, a partir de tudo que recomenda NPS Bento em sua Regra para a figura do abade, em especial nos capítulos 2 e 64.
    - Não é tarefa das mais fáceis ser pai, pastor, mestre e médico. É exigente servir aos temperamentos de muitos; não agir com demasia na correção; não raspar demais a ferrugem para que não se quebre o vaso; não esmagar o caniço já rachado e não deixar que os vícios cresçam (RB 64,11-13; 2,26). É ainda necessário muito discernimento para equilibrar tudo e assim fazer com que haja o que os fortes desejam e o que os fracos não fujam (64,19).
    - Como rezou a oração após o canto do Veni Creator, possa o Senhor Deus derramar em nós sabedoria e graça, para assim conduzirmos a comunidade no caminho da verdade, pela doutrina e pelo exemplo de vida (Cf. Ritual de Entronização e Posse).

    1.   Uma história – três capítulos
    - Permitam-nos recordar uma história. O primeiro capítulo teve início numa manhã de dezembro de 1987, quando aqui chegávamos das Alagoas. Fomos conduzidos do terminal rodoviário a esta Casa pelo seminarista da Diocese de Palmeira dos Índios-AL, então estudante do Seminário São José, o conterrâneo e amigo de infância, José Francisco Falcão de Barros, hoje Bispo Auxiliar do Ordinário Militar do Brasil.
    - Aqui ficamos 15 dias conhecendo o Mosteiro, depois voltamos para a despedida dos familiares e retornamos definitivamente em fevereiro de 1988. E aqui chegávamos com um único propósito: o de ser um bom monge!
    - O caminho se fez: postulantado; noviciado; os primeiros votos; os estudos de filosofia; trabalhos no CSB; os votos definitivos; os estudos de teologia; o diaconato; o sacerdócio; trabalhos, retiros, portaria... Tudo vivido e exercido com simplicidade, silêncio, cooperação, discrição, fazendo amigos em Deus.
    - E começava o segundo capítulo, Abade em Olinda. Lá não foi diferente. Foram seis anos praticamente sem descanso, de trabalho intenso e silencioso. Anos vividos com alegria e muitas graças, numa missão toda ela desenvolvida pela ajuda da Comunidade, a oração e a cooperação de muitas pessoas comprometidas.
    - Procuramos cumprir com fidelidade a missão que o Senhor nos confiou. Deixamos sementes e sinais de um saneamento financeiro progressivo e transparente; de uma Comunidade mais pacificada e orante; de boas vocações; de um Colégio mais adaptado aos tempos. Deixamos o testemunho de uma vida simples, vivida a partir de Deus, com paciência e zelo bom para com tudo e para com todos.
    - Agradecemos mais uma vez a ajuda da Comunidade, aqui representada pelo seu novo Abade, D. João Evangelista Kovas OSB, por D. Prior Luiz Pedro Soares OSB e por D. João Cassiano dos Santos Leite OSB, nosso primeiro professo solene.
    - Fica também nossa melhor gratidão a Claudia Germana Camelo Farias, Supervisora do Colégio de São Bento de Olinda; a Ana Guedes de Araújo, Supervisora Econômica, e a Dra. Paula Varejão Martins, Advogada, as três aqui presentes – o trabalho sério e a ajuda fiel de vocês jamais serão esquecidos! Nossa gratidão ainda a Prof. Conceição Poroca, aos Oblatos Everaldo, Gláucia e Sílvia, todos presentes, e ao casal amigo Alessander e Ana Elizabete Guimarães, ele também presente.

    2.   Um novo capítulo
    - E novamente numa manhã de dezembro, quis a Providência Divina, iniciar mais um capítulo desta história – o terceiro! Voltamos a esta Casa conscientes de que o Senhor pede-nos uma missão que só Ele sabe – Deus sabe o que a gente não sabe!
    - Esta Casa de Deus, quatro vezes centenária, tem uma história luminosa que não pode se apagar! Aqui sempre tivemos homens de letras e de cultura, bem formados e cultos, também homens de piedade, de vida simples e de trabalho fiel. A lista seria grande, mas como esquecer os Abades D. Tomás Keller, D. Martinho Michler, D. Inácio Barbosa Accioly, D.Basílio Pedido, D. José Palmeiro Mendes; ainda D. Clemente Isnard, D.Alcuino Meyer; os alemães D. Wilibrordo Biedermann, D. Miguel Wesser, D. Policarpo Messmer; também D. Lourenço de Almeida Prado, D. João Evangelista de Oliveira Ribeiro Enout, D.Alberto Gonçalves Ferreira, D. Mateus Ramalho Rocha, D.Estêvao Tavares Bettencourt, Ir. Vital Farjado (era edificante vê-lo todas as noites lavando a louça após as Completas para aliviar o trabalho matinal dos funcionários).
    - Contudo – é bom compreender esta nossa afirmação – algumas iniciativas, embora nobres e que fizeram muito bem à Igreja e ao Mosteiro, foram projetos pessoais, que em determinados períodos muito fragilizaram a vida comunitária desta Abadia.

    3.   Um novo tempo
    - Chegou a hora de um novo tempo. Diz o Documento de Aparecida que o mundo atual passa por uma mudança de época na qual se dissolve a concepção integral do ser humano, sua relação com Deus e com o mundo (44). De fato, na pós-modernidade, tudo é liquido e se dissolve com rapidez: trabalhos líquidos, relações líquidas, vocações líquidas, economia líquida, mundo líquido (Zygmunt Bauman).
    - Não nos enganemos, esta liquidez atinge também a fé. Se não vigiarmos, esta liquidez viverá e reinará pelos séculos dos séculos também em nossas casas religiosas – se é que já não esteja pontificando!
    - Os tempos são outros! Chegou a hora de iniciarmos uma vida comunitária diferente, baseada mais na piedade, numa vida simples, na caridade fraterna, no perdão. E isto não depende apenas do Abade, mas de todos, todos juntos!
    - Não tenhamos medo nem vergonha de rezarmos mais, inclusive o Terço! É preciso cada vez mais se comprometer com a oração e a vontade de Deus. Sim, quando rezamos e estamos comprometidos com a vontade de Deus, não com a nossa, é possível vida nova aparecer, nova esperança surgir, uma vocação se renovar!
    4.   Quatro convicções
    - Os dois capítulos da nossa história simples vivida nos últimos tempos, deixam-nos pelo menos quatro convicções para o início do terceiro capítulo: 1ª) Temos que viver a partir de Deus, de Jesus Cristo e da Regra de NPS Bento. A Rega de nosso pai já está mais do que provada e aprovada pelos tempos, e tem sempre muito a nos dizer. 2ª) A vida cristã, sobretudo consagrada, só tem sentido se for sobrenatural. Ou vemos tudo no mosteiro como vaso sagrado do altar (RB 31,10), ou estamos perdendo tempo, enganando a Deus e a nós mesmos. 3ª) É preciso tomar consciência do chamado! O que motivou a deixarmos tudo? Procuremos a Deus e o adoremos unicamente em atenção a Ele, e não por necessidades emocionais, desencontros existências ou falta de opções. Procuremos a Deus por Ele! Só Deus basta! Deus é e deve ser tudo numa alma, sobretudo numa alma consagrada. 4ª) Não podemos viver diante de Deus como se Ele não existisse, não podemos viver diante de Deus como se vivêssemos diante do nada! Há em cada pessoa – desculpe nossa petulância, senhor arcebispo, mas há também no senhor, em nós monges e em você que está aqui – há em cada pessoa um vazio do tamanho de Deus. Nada nesta vida é capaz de preencher este vazio. Neste vazio, só cabe Deus mesmo!

    5.   Uma sugestão
    - Com paciência e oração, ouviremos a todos para conhecermos o estado de cada um. Como viveu até aqui, como vive atualmente e como pretende viver e colaborar com a Comunidade e o Abade. Não faltará da nossa parte disposição para orientar, incentivar, consolar e, se for o caso, corrigir.
    - Deixamos a sugestão de que cada um faça uma profunda revisão de vida neste Advento que hoje começa. Rezem um pouco mais e se interroguem no íntimo do coração. O que tenho feito e construído no Mosteiro e em prol do Mosteiro? Como tenho cuidado da minha vocação? Como andam as minhas opções? Qual é a minha verdade? Qual é o meu mistério? Por que e para que quis consagrar a minha vida e viver neste mosteiro sob o olhar de Deus? Partilhem as respostas com o Abade!

    6.   O novo abade e a casa de Deus
    - Todos sabem do nosso apreço pelo mosteiro como Casa de Deus, conforme lembra NPS Bento (RB 31,19; 53,22; 64,5). Ora, se fomos chamados a viver na Casa de Deus, temos a obrigação de sermos homens de Deus, e se ainda não o somos, pelo menos procuremos ser. Pois, quando Deus percebe que uma alma o procura verdadeiramente, Ele cumula esta alma das graças de que necessita para encontrá-lo!
    - Se o cristão tem uma vocação singular, ou seja, a de ser filho amado por Deus Pai, nós monges, temos uma vocação sublime: a de anteciparmos na terra o que faremos para sempre na eternidade. Que dignidade nossa, a de sermos comparados aos anjos, pois integrantes do coro que na terra louva o Senhor sem cessar!
    - Vamos juntos construir um novo tempo! Apresentei-me em Olinda, convém que também hoje, aqui e agora, reapresente-me. Confiem no abade. Sou uma pessoa simples, silenciosa e paciente, gosto das coisas ordenadas e transparentes, possuo grande amor ao ideal de NPS Bento. Conheço minhas fragilidades – aliás, NPS Bento lembra ao abade que suspeite sempre de sua fragilidade, RB 64,13 – mas procuro conviver bem com elas para que não venham prejudicar a ninguém.
    - Procurarei servir a esta Casa com simplicidade e alegria espiritual! Estou de volta apenas para cumprir uma missão e servir! Conto com a oração de todos para que seja bom, caridoso, honesto; e que dê exemplo de fé e de amor a Jesus Cristo e à sua Igreja. Rezem para que não me omita e tenha coragem de tomar as decisões que devam ser tomadas, para que saiba unir e conciliar os temperamentos de todos.

    7.   Agradecimentos
    - Agradecemos a presença do Exmo e Revmo Arcebispo da Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro. Conte sempre, senhor arcebispo, com a oração desta Casa, com nossa fidelidade à Igreja e ao Santo Padre. 
    - Ainda um agradecimento aos Abades e Abadessas, Superiores, sacerdotes e aos religiosos em geral. De modo especial as Irmãs Beneditinas Missionárias de Tutzing do Colégio Santo Amaro, em Botafogo, elas que nos receberam de ontem para hoje com a conhecida acolhida beneditina. Tirando a noite mal dormida de ontem, o resto foi tudo muito bom... Não esqueceremos a mensagem e o carinho da Comunidade no café desta manhã!
    - Um muito obrigado a todos os amigos presentes. Ainda um muito obrigado a Comunidade pelo empenho na preparação desta posse e de tudo que virá a seguir!

    Conclusão
    - Acolhamos esta desafiante verdade, sobretudo para nós monges e religiosos: Uma Comunidade religiosa deve ser mais do que um lugar onde fazemos nossas refeições, recitamos algumas orações e voltamos todas as noites para dormir – poderemos viver assim em qualquer lugar! Uma Comunidade religiosa deve ser um lugar de ressurreição, onde nos ajudamos a nos fazer novos (Timothy Radcliffe). ‘
    - Sim, uma Comunidade religiosa deve ser um lugar de vida interior, pois é no exercício da interioridade que nossa alma encontrará os meios necessários para a contemplação de Deus e dos mistérios da nossa fé.

    - Fiquemos, por fim, com o poema Se deixares que Deus te guie de Georg Neumark, um poeta alemão.
    Ele pergunta:
    De que nos servem os anseios, as incessantes lamúrias e as frequentes inquietações?
    De que nos serve lamentarmos a cada manhã a nossa desventura?
    Ele responde aconselhando:
    Cante, reze e não te desvies de teus caminhos.
    Cumprindo fielmente a tua tarefa,
    confie nas bênçãos dos céus, que assim se realizarão.
    Deus ouve as súplicas das almas que verdadeiramente nele confiam.
    - Neste novo tempo possamos todos cantar mais os louvores do Senhor, rezar mais, lamentar menos, e não nos desviarmos dos caminhos que o Senhor nos apontar, mesmo que sejam caminhos desafiantes e exigentes!

    - Talvez, para alguns, nossa fala seja um romantismo religioso ou uma utopia monástica. Mas, falamos sem falsa modéstia: acreditamos muito e temos muita convicção pessoal e interior nesta última verdade e em tudo o que dissemos.

    - Concluamos pedindo a Nossa Senhora do Monserrate que interceda e guarde este Mosteiro que lhe é dedicado. Interceda, sobretudo, para que esta colina quatro vezes centenária continue sendo uma Casa de oração, de espiritualidade, de cultura e de um acolhimento cheio de humanidade! Que tenhamos bons tempos por muitos anos!

    - Louvado seja nosso Senhor Jesus Cristo!                                 D. Filipe – 01/12/2012



    -----


    4 comentários:

    1. Perfeito! Muitíssimo obrigada! Daqui a pouco vamos celebrar com a imagem peregrina de São Sebastião.

      ResponderExcluir
    2. Dom Filipe
      Está havendo algum problema na digitação pois está vindo junto o tipo de letra: §

      ResponderExcluir
    3. Luís Fernando,

      Agradecemos seu comunicado e informamos que não houve problema na digitação, provavelmente é a configuração do seu navegador, mas já atualizamos a publicação para melhor atender. Qualquer problema, por favor, entre em contato.

      Louvado seja nosso Senhor!

      Obrigada,
      Lugar de Encontro

      ResponderExcluir
    4. Benedicite!

      Obrigado Dom Abade Filipe por atender à pedidos e postar aqui no Lugar de Encontro a alocução realizada na posse do sr. Aproveito para agradecer a iniciativa de colocar no ar esse site, que proporciona a nós fiéis, um verdadeiro Lugar de Encontro com Deus.

      Para sempre seja louvado Nosso Senhor Jesus Cristo!

      ResponderExcluir

     

    Site Lugar de Encontro

    Site Lugar de Encontro