• Dom Filipe - Abade do Mosteiro do Rio de Janeiro

    HOMILIA PARA O I DOMINGO DA QUARESMA - B



    HOMILIA PARA O I DOMINGO DA QUARESMA - B



    Gn 9,8-15; 1Pd 3,18-22; Mc 1,12-15

    Ele vivia entre os animais selvagens, e os anjos o serviam

    Introdução

    §  Prezados irmãos e fiéis. A Igreja, na última quarta-feira (de Cinzas), iniciou o Tempo da Santa Quaresma – 40 dias que vão de hoje até ao sábado santo – com o convite convertei-vos e crede no evangelho. Hoje, neste I Domingo, ela retoma este mesmo convite a partir do evangelho que acabamos de ouvir.

    1.   A Quaresma
    §  A liturgia da Quaresma se reveste de certa sobriedade a partir de alguns sinais percebidos desde a última quarta-feira: o paramento de cor roxa (cor de penitência), a ausência do ‘Glória’, como também certa austeridade nas leituras bíblicas.
    §  Desde o século IV que a Igreja instituiu este tempo de graça e de conversão. Era, inicialmente, o período durante o qual os catecúmenos (adultos que estavam abraçando a fé cristã), se preparavam para receber o Santo Batismo na noite da Páscoa.
    §  Hoje, para nós, 40 dias que nos preparam para celebrarmos dignamente a Paixão, Morte e Ressurreição do Messias Salvador – acontecimento único na História das Religiões, evento central no Cristianismo e na nossa Igreja e decisivo para a salvação dos homens: Jesus, que parecia ter morrido, ressuscitou para permanecer/ficar no meio de nós.
    §  Este mistério da ressurreição de Jesus, atualizado a cada ano pela Igreja para renovar a vida nova que Ele veio trazer-nos, merece um Tempo especial de preparação, justamente a Santa Quaresma. Cada quaresma, assim, prepara o cristão para entrar neste mistério da bondade de Deus – que enviou-nos seu Filho redentor – e com Ele ressuscitar também para uma vida nova.

     

    2.   A Liturgia da Palavra

    §  As leituras que acabamos de ouvir falam de uma humanidade nova nascida depois do dilúvio, mostram Deus estabelecendo uma aliança, e Jesus sendo levado ao deserto a fim de se preparar para sua missão.
    2.1. A Primeira Leitura
    §  Tirada do livro do Gênesis mostrou Deus prometendo a Noé, através de uma Aliança, simbolizada pelo arco-íris, que a terra e as criaturas não seriam mais exterminadas.
    §  Sabemos que esta aliança será desdobrada em outras alianças: com Abraão (Gn 15, 1 s); Moisés (Ex 19,5; 24,3-8); e também na Instituição do Sacerdócio do AT (Ex 19,21).
    §  Tais alianças, porém, foram provisórias, pois nunca devidamente cumpridas pelo povo. Contudo, todas restauradas pela Nova e Eterna Aliança, estabelecida pelo sangue de Jesus Cristo derramado na cruz – Ele o Cordeiro de Deus que veio redimir o homem.
    2.2. O Evangelho
    §  Foi justamente o que ouvimos no evangelho tirado de São Marcos. Jesus levado ao deserto pelo Espírito, a fim de se preparar para sua missão salvadora.
    §  São Marcos, ao contrário de São Mateus e São Lucas,  não apresenta as três tentações de Jesus: apenas menciona que Ele ficou 40 dias no deserto e lá foi tentado por Satanás.
    §  Sim, Satanás que já havia levado o homem afastar-se de Deus e do paraíso (Gn 2,7-9; 3,1-7), aparece novamente utilizando-se da palavra de Deus para tentar Seu Filho Jesus Cristo – queria mais uma vez tirar o novo paraíso que Jesus devolveria ao homem no final de sua vida pública. Por isso que o tentador aparece justamente no início da vida pública, para, quem sabe, interromper o início de sua missão redentora.
    §  Interessante que, ao contrário do homem no paraíso, Jesus não se deixou seduzir pelo tentador. Ele não rompeu o diálogo com Deus, como o homem no paraíso, mas deixou-se guiar por Sua palavra: o homem não vive só de pão, mas de toda palavra que sai da boca de Deus.
    3.   Reflexão / Mensagem
    §  Prezados irmãos, a Santa Igreja, nossa Mãe, convida-nos hoje a viver a espiritualidade da Santa Quaresma: quem sabe precisamos renovar a Aliança de Deus conosco, precisamos enfrentar com Jesus as tentações e o mal que nunca faltam no deserto do nosso tempo. Fiquemos com a seguinte reflexão como mensagem para estes dias.

    3.1. O Deserto do nosso tempo
    §  Muito curioso Jesus tentado no coração do deserto, vivendo entre os animais selvagens, mas servido pelos anjos – que delicada contradição: Jesus entre feras e anjos!
    §  O deserto na História Bíblica foi o lugar de uma dupla comunicação: 1) lugar da aridez, da solidão, da fome, do abandono, onde não se planta e não se colhe, de dia muito quente, de noite muito frio, sobra desespero, falta esperança; 2) escola de purificação e lugar da revelação de Deus.
    §  Interessante que Moisés quando foi ter com o Faraó pedindo que deixasse o povo sair do Egito, assim justificou o pedido: Assim falou o Senhor: deixa o meu povo partir para que me faça uma festa no deserto (Ex 5,1). Imaginemos uma festa no deserto, onde tudo falta, e festa celebrada por um povo cativo, sem nada nem motivo para celebrar!
    §  Quantas pessoas ou povos vivem hoje assim no deserto do nosso tempo: sem alegria e esperança, sem razões para celebrar coisa alguma! Como o sofrimento acompanha o homem do nosso tempo! Tempo de violência, indiferença, miséria, falsas alegrias, solidão, traumas, estresse, depressão, carências emocionais, fragmentação familiar.
    §  Entretanto, o deserto apareceu para o povo bíblico como escola de purificação e lugar da revelação de Deus! Foi no deserto que o povo fez a experiência da maior proximidade de Deus. O povo reconheceu no tempo em que esteve no deserto um tempo em que recebeu grande afeição de Deus: foi por Ele tomado em seus braços, atraído por Seu amor para falar-lhe ao coração (Os 11; 2,16). O deserto foi assim um novo tempo de noivado, tempo com promessas de vida nova.
    §  Você que está aqui hoje: nesta Quaresma, no deserto da sua vida e do tempo presente, não tenha medo  das feras que sempre estão a rondar. Na escuridão ou nas sombras do nosso caminhar haverá sempre um arco-íris enviado por Deus na pessoa de Seus anjos – anjos que nem sempre nos damos conta, mas que nos guardam e estão tão presentes nas idas e vindas de cada dia, assistindo nossa vocação/missão recebida.

    3.2. A Campanha da Fraternidade
    §  A CF deste ano, cujo tema é Fraternidade e Saúde Pública, e o lema, Que a saúde se difunda sobre a terra (cf. Eclo 38,8), é um oportuno convite a termos nesta Quaresma um olhar cuidadoso para os enfermos – não apenas pelos doentes do corpo, mas também os que têm necessidades espirituais e morais.
    §  Vale lembrar o convite ao cuidado e ao olhar que nos fez o Papa Bento XVI na sua mensagem para a Quaresma deste ano. Convidou cada pessoa primeiramente a fixar o olhar em Jesus, estar atenta aos outros, não se mostrar indiferente ao destino dos irmãos, dar-se conta da realidade ao nosso redor – um bom programa quaresmal!

    Conclusão

    §  Concluamos com São João Crisóstomo – trecho de uma bela homilia, onde apresenta as cinco vias da penitência: 1ª, é a reprovação dos próprios pecados; 2ª), o perdão das ofensas que nos fez o próximo; 3ª) a oração; 4ª), a esmola; 5ª), a humildade (Homilia de diabolo tentatore 2,6: PG 49,263-264).
    §  Fiquemos ainda com o convite: Convertei-vos e crede no Evangelho. O evangelho apresenta-nos Jesus: fixemos n’Ele o olhar para termos caminho seguro, verdade infalível, vida sem fim (A Imitação de Cristo, livro III, c.56).

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